V
AS PEDRAS DA GUIDA
Um dia, a minha irmã mais nova acordou
com a firme convicção de que tinha
despertado para as artes, nomeadamente, as artes plásticas .Então, muito
entusiasmada começou a pintar seixos da praia e a colá-los de modo a formar
bonequinhos. Era, pois urgente comercializar as pedrinhas para que aquela
vocação serôdea fosse rentável e confirmasse a veia artística. A minha mãe deu
uma ajuda preciosa: pediu aos donos da drogaria para porem na montra algumas
pedras. Talvez alguém se encantasse com
o produto e acabasse por comprar.
Passaram-se os dias e as pedrinhas
permaneciam na montra muito coloridas, muito airosas. A Guida começava, então,
a dar mostras do seu desânimo. Tão bonitas e ninguém se encantava. E o meu pai apercebeu-se daquela frustração
devastadora....
Um dia, alegria das alegrias, as
pedrinhas tinham saído da montra. Finalmente, alguém se tinha embevecido com
aquela arte pequenina e feito a felicidade da minha irmã.
Mais tarde, viemos a encontrá-las numa
gaveta da secretária do meu pai. Afinal o misterioso e generoso comprador tinha
sido ele, o meu pai. Comprou todo o lote das pedrinhas tão-somente para fazer a
Guida feliz!
VI
ROSA MOTA
Apesar de ser uma pessoa muito divertida
era, incrivelmente pessimista e, em
determinados momentos chegava a ser muito derrotista.
Nos Jogos Olímpicos de Seul, em 1988, a Rosa Mota corria a
Maratona. As expectativas eram enormes, mas uma medalha de ouro era uma medalha
de ouro...se ganhássemos o bronze como em 1984 já não era mau...
Aconteceu que a Rosa Mota começa a
destacar-se na recta final e a aproximar-se do estádio olímpico em 1º lugar. E
já dentro, corria na pista em primeiríssimo lugar, destacada das restantes
atletas e o meu pai :
_ Não vai chegar, não pode ser! Vai
desmaiar.
_ Papá, ela já lá está, já ganhou.
Só mesmo ouvir o hino o convenceu da vitória.
VII
O CEGO DO MERCADO DE SANTANA
Era habitual, o meu pai ir comprar o
jornal ao Sr.Augusto dos jornais frente ao antigo BNU na rotunda do Mercado de
Santana. Aí havia uma passadeira que ligava, precisamente o passeio do BNU ao
quiosque do Sr. Augusto.
Então uma tarde, ao circundar a rotunda
para cumprir o ritual: comprar a Capital e o Diário de Lisboa, surge um cego
numa das extremidades da dita passadeira, à espera que alguém o ajudasse a
atravessar a rua.( há 40 anos não havia qualquer tipo de ajudas para os
invisuais andarem sozinhos na rua) Sem dizer nada, o meu pai parou o carro,
saiu, deu a mão ao cego e atravessou-o. Comprou os jornais e voltou a entrar no
carro. Pô-lo a trabalhar e sem nada dizer, continuámos o nosso passeio..
VIII
VEGETAISI
Certo dia, um casal de velhinhos veio
viver para o apartamento ao lado do nosso. Eram o Sr. Benjamim e a D. Alice,
ambos vegetarianos. Passados alguns anos, o Sr. Benjamim ficou viúvo. Ora, o
meu pai achava que ele era um bom partido para a nossa empregada, na altura
divorciada e com sérias dificuldades financeiras.
Então, armado em conselheiro matrimonial,
o meu pai aconselhava-a:
_ Aproveite, Emília, aproveite que ele só
come ervas, por isso fica-lhe baratinho...