quinta-feira, 18 de junho de 2015



V
AS PEDRAS DA GUIDA

Um dia, a minha irmã mais nova acordou com a firme convicção  de que tinha despertado para as artes, nomeadamente, as artes plásticas .Então, muito entusiasmada começou a pintar seixos da praia e a colá-los de modo a formar bonequinhos. Era, pois urgente comercializar as pedrinhas para que aquela vocação serôdea fosse rentável e confirmasse a veia artística. A minha mãe deu uma ajuda preciosa: pediu aos donos da drogaria para porem na montra algumas pedras. Talvez alguém se  encantasse com o produto e acabasse por comprar.
Passaram-se os dias e as pedrinhas permaneciam na montra muito coloridas, muito airosas. A Guida começava, então, a dar mostras do seu desânimo. Tão bonitas e ninguém se encantava. E o meu  pai apercebeu-se daquela frustração devastadora....
Um dia, alegria das alegrias, as pedrinhas tinham saído da montra. Finalmente, alguém se tinha embevecido com aquela arte pequenina e feito a felicidade da minha irmã.
Mais tarde, viemos a encontrá-las numa gaveta da secretária do meu pai. Afinal o misterioso e generoso comprador tinha sido ele, o meu pai. Comprou todo o lote das pedrinhas tão-somente para fazer a Guida feliz!


VI
 ROSA MOTA

Apesar de ser uma pessoa muito divertida era, incrivelmente  pessimista e, em determinados momentos chegava a ser muito derrotista.
Nos Jogos Olímpicos de Seul, em 1988, a Rosa Mota corria a Maratona. As expectativas eram enormes, mas uma medalha de ouro era uma medalha de ouro...se ganhássemos o bronze como em 1984 já não era mau...
Aconteceu que a Rosa Mota começa a destacar-se na recta final e a aproximar-se do estádio olímpico em 1º lugar. E já dentro, corria na pista em primeiríssimo lugar, destacada das restantes atletas e o meu pai :
_ Não vai chegar, não pode ser! Vai desmaiar.
_ Papá, ela já lá está, já ganhou.
Só mesmo ouvir o hino o convenceu da  vitória.


VII
 O CEGO DO MERCADO DE SANTANA

Era habitual, o meu pai ir comprar o jornal ao Sr.Augusto dos jornais frente ao antigo BNU na rotunda do Mercado de Santana. Aí havia uma passadeira que ligava, precisamente o passeio do BNU ao quiosque do Sr. Augusto.
Então uma tarde, ao circundar a rotunda para cumprir o ritual: comprar a Capital e o Diário de Lisboa, surge um cego numa das extremidades da dita passadeira, à espera que alguém o ajudasse a atravessar a rua.( há 40 anos não havia qualquer tipo de ajudas para os invisuais andarem sozinhos na rua) Sem dizer nada, o meu pai parou o carro, saiu, deu a mão ao cego e atravessou-o. Comprou os jornais e voltou a entrar no carro. Pô-lo a trabalhar e sem nada dizer, continuámos o nosso passeio.. 


VIII
 VEGETAISI


Certo dia, um casal de velhinhos veio viver para o apartamento ao lado do nosso. Eram o Sr. Benjamim e a D. Alice, ambos vegetarianos. Passados alguns anos, o Sr. Benjamim ficou viúvo. Ora, o meu pai achava que ele era um bom partido para a nossa empregada, na altura divorciada e com sérias dificuldades financeiras.
Então, armado em conselheiro matrimonial, o meu pai aconselhava-a:

_ Aproveite, Emília, aproveite que ele só come ervas, por isso fica-lhe baratinho...

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